Narrativas repassadas para os herdeiros

Narrativas repassadas para os herdeiros

Ex-estagiários que ajudam a contar a história de 35 anos do Comunicar afirmam que as experiências nos diferentes núcleos contribuem para uma base profissional mas, também para a vida pessoal. Hoje pais e mães, eles lembram de lições assimiladas no dia a dia do projeto que procuram transmitir para os filhos. E repassar para as futuras gerações traços desenhados durante o período de estágio

Melina Amaral, que foi estagiária da TV PUC-Rio entre 2005 e 2006, é um exemplo disso. A jornalista e pedagoga afirma que a prática de desenvolver narrativas, aprimorada no projeto, é essencial para a criação de Ana Carolina, de 4 anos, e André, de 8.

– Aprendemos no Comunicar a contar histórias na prática, a deixar atraente e interessante. No dia a dia com as crianças, eu vivencio isto demais porque preciso ter didática, me fazer entendida e convencer eles a algo. É um paralelo muito interessante entre o trabalho e a maternidade.

Melina Amaral com os filhos Ana Carolina e André. Foto: Acervo pessoal

Ela complementa que conciliar o papel de mãe com o trabalho nem sempre é uma tarefa fácil. Para isto, conta com a ajuda da família e lembra que outras habilidades desenvolvidas pelo Comunicar são importantes até hoje no seu dia a dia.

– É uma loucura. Mas às vezes a gente simplesmente pega e faz. Se parar pra pensar, não saímos do lugar. Eu consigo fazer parte do meu trabalho em casa, e isso me ajuda. Mas quando preciso ir presencialmente, meu marido fica com as crianças. A organização e o planejamento, que aprendi muito no Comunicar, auxiliam nisso. No fim das contas, tudo dá certo.

Ainda de acordo com a jornalista, o projeto se destaca porque em outros estágios sentia que estava apenas colaborando, enquanto no Comunicar ela tinha gerência do trabalho.

– O Comunicar é um estágio diferente porque a gente pega e faz. Nos outros locais em que passei, tinha a marca do estagiário, que é aquele que só faz quando é supervisionado por alguém. No Comunicar, há os professores que orientam, mas a gente fazia de verdade. Quando um programa da TV PUC ia para o ar, era algo que a gente realmente produziu.

O relator governamental Marcelo Sperandio, que foi repórter da TV PUC-Rio durante um ano entre 2005 e 2006, também faz parte do quadro de ex-estagiários que se tornaram pais. Ele diz que seria positivo para o filho Caetano, de 5 meses, passar pelo Comunicar caso queira ser jornalista, pois é um ambiente de trabalho em equipe e de receber críticas construtivas. Além disso, observa, os ensinamentos absorvidos no período de estágio ajudam no novo papel de pai.

– O diferencial do Comunicar é o incentivo ao trabalho em grupo. Isto ajuda os estagiários a mostrar um ponto de vista e defender ele. E, mais do que isso, ensina a capacidade de ouvir e absorver opiniões diferentes. Com certeza eu quero que meu filho tenha uma experiência assim ou parecida. Vejo que a vida de pai é de colaboração entre mim e a minha companheira, é fazer o bebê entrar na minha vida, como um trabalho em conjunto. O Comunicar trouxe isso da colaboração, de entender o outro lado. Não só com o meu filho, mas também com a minha companheira.

Marcelo Sperandio com o filho Caetano. Foto: Acervo pessoal

Outro ponto apontado por Sperandio é a essência do Comunicar. De acordo com ele, o projeto é formado pelos orientadores, que têm as qualidades necessárias para manter o papel didático da experiência.

– Acho que os ambientes são formados por pessoas. O Comunicar tinha características como relacionamento próximo com os professores, humildade para ouvir e receber críticas e, claro, muito ensinamento pessoal e profissional. Acredito que ainda seja assim porque todas essas características estão vinculadas aos  orientadores dos núcleos. 

A jornalista da GloboNews e TV Globo, Mariana Queiroz, estagiou no Comunicar por pouco tempo, ela ficou entre os anos de 2006 e 2007 no núcleo de TV. Apesar da curta jornada, a repórter enfatiza como este período foi importante por ser uma experiência que prepara de modo único o jovem para o mercado de trabalho. Ela também afirma que a bagagem e o conhecimento adquiridos no projeto foram necessários para que ela passasse no processo seletivo do Estagiar Globo.

– Tenho certeza que eu só passei no processo de seleção da Globo porque eu estava antes no Comunicar. O projeto é muito próximo da realidade, da rotina de um jornalista, mesmo. A preparação ali é diferente, sem igual. Lembro dos programas e gravações que fazíamos, e era similar ao funcionamento da TV no dia a dia. Também acho que o Comunicar me deu uma sensação de pertencimento, de identificação, encontrei pessoas parecidas comigo, e surgiram grandes amizades, além da experiência que me ajudou a entrar na Globo e fazer um bom caminho como estagiária. 

Mariana Queiroz em trabalho durante a gravidez. Foto: Acervo pessoal

Mãe dos gêmeos Nuno e Olivia, ambos com 4 anos de idade, Mariana diz que a maternidade contribuiu para a mudança da visão de mundo que possuía previamente. A repórter ressalta como este período promove dúvidas acerca da própria identidade, e, também, como esta adaptação pode ser sofrida para algumas mulheres.

–  Acho que toda mulher passa por isso depois que vira mãe. Você se torna outra pessoa, passa por um processo de descoberta. Eu sou uma nova Mariana. Este processo pode ser difícil, solitário, você se vê ali com angústias, porque tudo o que você considerava importante antes, agora não acha mais. Há uma mistura da Mariana antiga com a nova, existe o questionamento sobre quem você é. Mas eu tenho absoluta certeza de que sou uma pessoa melhor hoje em dia, mais solidária, empática, que busca mais propósito na minha vida. 

Mariana relembra o episódio em que cobriu a tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais, e como este novo olhar em relação ao mundo influenciou na forma em que conduziu as reportagens e entradas ao vivo. Os filhos estavam com um ano de idade e seria a primeira vez em que ficaria um tempo afastada deles pelo trabalho. A jornalista diz que um dos primeiros entrevistados no local foi uma mãe que procurava pelo filho e que a situação a emocionou.  

– Naquela altura do campeonato tínhamos, mais ou menos, uma ideia de quem estava vivo. No início, quando cheguei, as pessoas estavam esperançosas, mas após vermos as imagens pensamos que não havia ninguém. Este tipo de cobertura é sempre difícil, principalmente porque é preciso abordar alguém para entrevistar. Eu vi que essa mulher queria falar, e houve um determinado momento em que ela pediu oração para os telespectadores, as mães que estavam em casa, e para que os bombeiros não desistissem da procura. Naquele momento, chorei. Acho que depois que me tornei mãe fiz mais pautas que abordam temas assim, com um olhar especial para essas mulheres. 

Mariana Queiroz com os filhos Nuno e Olivia. Foto: Acervo pessoal

Repórter de veículos do InfoGlobo, Pedro Zuazo entrou na PUC-Rio em 2005 e, no segundo semestre, se inscreveu para integrar o Comunicar. Inicialmente, participou da assessoria de imprensa, e em seguida se juntou ao núcleo da TV. Ao todo, passou três anos como estagiário do projeto. Pai de quatro filhos, Luiza, de 7 anos, Miguel, de 5, João, de 3, e Paula, com um ano de vida, ele reitera como o projeto foi importante para a carreira e que, se alguma das crianças decidisse seguir a profissão de comunicador, gostaria que ela passasse pelo projeto ou tivesse uma experiência semelhante.

– O Comunicar era um lugar que a gente tinha muita oportunidade para se reinventar, testar, fazer novas descobertas na profissão, experimentar muita coisa sem medo de errar, mas com o intuito de acertar. Isso era acompanhado de uma boa liderança, além de termos muito espaço e chances de nos conectarmos com pessoas importantes. Portanto, com certeza, caso meus filhos queiram seguir essa carreira, eu gostaria que passassem pelo projeto. Certamente seria uma experiência muito enriquecedora, como foi para mim. É uma oportunidade de desbravar o jornalismo em diversas frentes.

Pedro Zuazo e família. Foto: Acervo pessoal

Zuazo trabalhava no Jornal Extra quando recebeu a notícia de que se tornaria pai. O jornalista revela as dificuldades de adaptar e conciliar a rotina ao trabalhar em uma redação, com a vida familiar, porém ressalta como os colegas de ofício foram presentes, buscavam ajudar e, quando necessário, tinham uma palavra de incentivo. 

– Todos os meus colegas me apoiaram muito. Foi um ambiente muito legal. Nos momentos em que precisei de ajuda, com fralda, entre outros, era uma comoção lá na redação. No início, foi difícil por conta do horário. A preparação de um jornal impresso fica mais intensa ao anoitecer. A maior parte da redação chegava às 14h, 15h, e ficava até o fechamento da edição, por volta das 22h. 

A ex-estagiária do núcleo impresso, Núbia Trajano, teve uma trajetória diferente quando comparada à dos colegas do Comunicar. Mãe de Melina, de 3 anos, e de Heitor, de 6 meses, a jornalista, que ingressou no Comunicar no primeiro semestre de 2019, descobriu a primeira gravidez durante o estágio. Ela lembra o quanto ficou surpresa por ter de conciliar esta notícia com a rotina, especialmente porque morava em Niterói.

– Descobri a gravidez muito no susto, eu já tava de quatro meses e achava que, com certeza, seria mandada embora do estágio. Foi um surto, um susto, uma choradeira, mas também alegria, acolhimento. Lembro que tive um sentimento de hesitação, pois estava no meio do curso, no 5º período, com oito matérias na época. Era o primeiro estágio, com as aulas, um alvoroço com mistura de incerteza, pois viveria tudo como mãe. Todo mundo brincava que a Melina ia nascer no Comunicar, pois eu ficava o dia inteiro na Universidade e morava em Niterói. 

Núbia e sua filha Melina na redação do Comunicar. Foto: acervo pessoal

A comunicadora, que se formou em 2020, contou que teve uma conversa com a chefe na época, professora Adriana Ferreira, e que se sentiu muito confortável e acolhida por todos os colegas e professores orientadores do projeto. Ela trabalhou até os nove meses de gestação e afirma que, pelo tempo que passava na Universidade, sentiu que o Comunicar se tornou uma segunda família.

– Nunca me esqueci do que a Dri me falou, ela disse “Núbia, você está doente?”. Eu respondi que não, e ficamos no espírito de “então vamos!”.  Fui muito bem acolhida, o que me ajudou muito na rotina. O Comunicar traz essa sensação de família, de abraço, afeto. Eu passei minha gestação sentindo isso. Ali era minha família. Eram os dias que, por mais que estivesse cansada, ou legal, as pessoas sempre se importavam. Havia o acolhimento e ajuda da equipe. Tirei um período de “licença”, do nascimento da Melina até ela completar seis meses. Nesta pausa, a equipe fez um chá de bebê para mim, todos foram queridos. Foi um ciclo bem bacana.

Núbia reitera que o projeto influenciou extremamente em relação à vida privada e à vida profissional. Ela enfatiza que o Comunicar auxiliou a ter confiança, desenvoltura e potencial. 

– O Comunicar foi um pilar para mim, tanto como pessoa quanto profissional. Entrei no estágio como uma menina que não tinha noção muito das coisas, do profissional, e cheia de sonhos. Eu saí uma mulher cheia de sonhos, uma mãe com o foco danado que acredita no próprio potencial. Foi ali que descobri o meu potencial, soube onde poderia chegar e a força que tinha para conquistar aquilo que eu quisesse.