Poeta, tradutor e professor, Paulo Henriques Britto foi eleito para a Academia Brasileira de Letras

Por Pedro Soares

Vestindo uma camisa azul de linho, uma calça verde, sapatos marrons e óculos pendurados por uma corda ao redor do pescoço, trajes que lhe conferem um ar simples mas sofisticado, Paulo Henriques Britto entra na sala L582 para ministrar a sétima aula do curso de Tradução de Poesia da pós-graduação de Letras. O tema da aula do dia 29 de abril é o verso livre, que o professor divide em cinco categorias — verso polimétrico, metro-fantasma, verso liberto, verso livre tradicional e verso livre novo. Quase um mês depois, viraria imortal. Na quinta-feira, dia 22 de maio, Paulo foi eleito para ocupar a cadeira de número 30 da Academia Brasileira de Letras, sucedendo Heloísa Teixeira.

Poeta, tradutor e docente do Departamento de Letras e Artes da Cena, tem um vasto e reconhecido currículo. Atuou por mais de 45 anos no curso de graduação em Tradução e leciona até hoje em disciplinas de Formação do Escritor e nos programas de pós-graduação em Estudos da Linguagem e em Literatura, Cultura e Contemporaneidade.

Na sala de aula, como um cirurgião, Paulo escande poemas de autores como Émile Verhaeren, Rimbaud e Jorge de Lima em busca de significados escondidos em suas estruturas. “Um poema é um texto em que tudo pode ser relevante. Essa é a única definição possível”, diz. Uma caixa de som reverbera os versos declamados pelo próprio T.S. Eliot em “The Love Song of J. Alfred Prufrock”, cuja recente tradução por Caetano Galindo foi elogiada por Paulo. Um comentário ilustra o tom de suas aulas. “Esse sotaque inglês postiço é ótimo. O mais britânico dos poetas do século XX nasceu em St. Louis, no Missouri.” 

O conhecimento e a admiração do cânone literário não impedem que o professor trate com irreverência obras de titãs como Mário de Andrade. Sobre o terceiro verso do poema “Lovaina” — “e, ao barulhar bramante do barulho” —, critica: “Muito ruim, tão ruim que foi publicado sob pseudônimo”. O que à primeira vista pode parecer arrogante, logo revela ser, na verdade, um traço de humildade. Implicitamente, o professor lembra que todos, inclusive os grandes, estão sujeitos ao ridículo.

O estilo de Paulo é apreciado por alunos, ex-alunos e colegas. O humorista Gregorio Duvivier, que foi estudante do curso de Letras, esteve na PUC-Rio para ministrar a Aula Inaugural do Departamento no ano passado. Gregorio afirma que Paulo é uma de suas maiores influências. Na ocasião, declamou o poema “Um pouco de Strauss”, que integra o livro “Trovar claro”, publicado pela Companhia das Letras em 2006.

“Mas se de tudo que há no vasto mundo / só gostas mesmo é dessa coisa falsa / que se disfarça fingindo se expressar, / então enfia o dedo no nariz, bem fundo, / e escreve, escreve até estourar. E tome valsa.”, diz a última estrofe.

Gregorio comentou que a aula de “Cânone Literário” do professor, em vez de transformá-lo em “alguém que vive na torre de marfim, que usa mesóclise”, na verdade o ensinou a apreciar crítica e inquisidoramente grandes autores, em vez de optar por uma abordagem pedante que, no mínimo, não leva a muitos lugares.

Em sua experiência como tradutor, Paulo já teve contato com diversos tipos de autores de originais. “Há autores desagradáveis, que não ajudaram nada, e autores extremamente prestativos. O pior tipo de autor é aquele que tem um agente que sente que tem que proteger o autor de tudo, que sempre diz que o autor não pode falar porque está muito ocupado. Um caso de um autor que ajudou muito foi o Thomas Pynchon, que tem uma sintaxe complexa. Se não fosse pela cooperação dele, não sei como teria feito.” 

Ele lembra de uma vez em que queria traduzir parte da obra do americano Wallace Stevens, que ainda não estava em domínio público. “Pedi à recém-formada Companhia das Letras, e o Luis Schwarcz decidiu bancar.” O livro em questão é “Poemas”, de 1987.

O premiado tradutor e escritor Caetano Galindo, que também esteve na PUC recentemente para dar uma aula inaugural, comentou a cooperação de Paulo na tarefa de traduzir o Ulisses, de James Joyce, para o português brasileiro.

“Numa época em que mal existia o Skype, eu e Paulo passávamos horas discutindo linha por linha como traduzir o livro, que tem mais de mil páginas. Lembro agora de uma frase do Chico Buarque, na Ópera do Malandro: ‘como os grandes são gentis’!”, relembra Galindo.

Quando comenta sobre a importância da disposição gráfica do poema com o verso livre novo, adotado por jovens poetas a partir da década de 80, Paulo relatou à turma uma história pessoal:

“Existiu aqui no Brasil, na década de 60, um movimento chamado poema-processo, que levava ao extremo a importância visual do poema, ao ponto de fazer poemas sem palavras. Eu era um adolescente, fui num debate do MAM (Museu de Arte Moderna), querendo aprender a metrificar versos, e os caras apresentaram um poema que eram dois tubos de água se enchendo. Fiquei triste, achei que eles estavam acabando com o verso. Um velho na plateia levantou a mão e disse: “eu sou engenheiro e acho que vocês têm toda a razão”. Eu acho que esse velho estava sacaneando eles, e eles não entenderam”, conta, fazendo com que os seis alunos rissem praticamente em uníssono.

Com uma longa carreira em tradução em paralelo às atividades como poeta, Paulo já traduziu mais de 100 livros do inglês para o português, sendo reconhecido como um dos grandes nomes dessa área no país. Na poesia, ele se destacou com os livros “Fim de verão”, finalista da categoria Poesia do Jabuti de 2023, e “Macau”, que ganhou o Prêmio Telecom de Literatura Brasileira (atualmente chamado de Prêmio Oceanos) em 2004.