A representação de poder do pontífice através do exercício de Soft Power
Por Geovanna Veiga
O mundo voltou os olhos para o Vaticano nas últimas semanas com a escolha do novo Papa. À importância do pontífice como líder espiritual de milhões de fiéis soma-se a figura uma referência global, cuja influência atravessa fronteiras e séculos O Papa tem o impacto direto em questões morais, sociais e até políticas, cabíveis a si como chefe do estado do Vaticano. A sucessão papal não representa apenas um rito interno da Igreja Católica, mas um evento de alcance internacional, carregado de simbolismo e repercussões práticas.
Reconhecido como uma das personalidades mais relevantes no exercício do chamado Soft Power — expressão usada para definir a capacidade de influenciar sem o uso da força — o Papa exerce também um poder político do ponto de vista tradicional. Sua autoridade moral ultrapassa fronteiras, inclusive em países não majoritariamente católicos, influenciando decisões diplomáticas, posicionamentos sociais e movimentos culturais.
Atualmente, a Santa Sé mantém relações diplomáticas com 184 países, além da União Europeia e da Ordem Soberana Militar de Malta. Essa rede de conexões reflete o papel singular do pontífice como uma voz ativa em temas globais.
O Papa Francisco, por exemplo, deu visibilidade à agenda climática e ao combate à pobreza. Já João Paulo II articulou com países do Oriente Médio para influenciar as discussões da ONU sobre planejamento familiar. Afinal, o pontífice é o líder espiritual de mais de um bilhão de fieis.
Essa tradição de ser interlocutor importante nas grandes pautas do mundo não é recente. Em 1891, o Papa Leão XIII lançou a encíclica Rerum Novarum, – das coisas novas, em latim – considerada marco da doutrina social da Igreja. Ao abordar os direitos dos trabalhadores, ele buscava oferecer uma resposta cristã às tensões sociais da época. Leão XIII defendia que as relações de trabalho no momento da segunda revolução industrial fossem mais justas.
O professor João Daniel Almeida, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, destaca que os pontífices, ao longo da história, se notabilizaram por articular pautas multilaterais que, com o tempo, ganharam centralidade nas agendas internacionais e que eles são figuras influentes em contextos de tensão geopolítica.

– Os Papas são personalidades de mediação, especialmente quando se trata de guerras e conflitos. Um exemplo marcante é a atuação do Papa Francisco na reaproximação diplomática entre Cuba e Estados Unidos. Não se trata diretamente de um conflito armado, mas sim de uma ação preventiva, que ajuda a evitar o agravamento de tensões — explica.
Historicamente, esse papel já foi ainda mais poderoso.
— Na Idade Média, era comum que o Papa tivesse autoridade suficiente para interromper guerras apenas por meio de suas declarações. Essa força foi se perdendo com o tempo. Hoje, ele ainda atua como um mediador prestigiado e respeitado, mas com um impacto menor do que o exercido no passado — conclui o professor.
A opinião do professor João Daniel Almeida se apoia principalmente nos acontecimentos dos últimos cem anos de papado, marcados por tentativas, bem-sucedidas ou não, de mediação em cenários de conflito.
Durante a Primeira Guerra Mundial, o Papa Bento XV tentou atuar como mediador entre as potências, mas não obteve êxito. Após sua morte, na década de 1920, foi sucedido por Pio XI, pontífice que assinou acordos tanto com o regime de Benito Mussolini quanto com a Alemanha nazista, formalizando, inclusive, a criação do Estado do Vaticano. Por isso, ficou conhecido como “o Papa da Concórdia”.
Outro destaque é para João XXIII, pontífice que marcou uma virada histórica na igreja. Além de tentar mediar a Crise dos Mísseis entre Estados Unidos e União Soviética, foi o responsável por convocar o Concílio Vaticano II, que modernizou profundamente a Igreja Católica. Sob sua liderança, os ritos tradicionais em latim foram reformados, e a Igreja passou a adotar uma postura mais sinodal, ouvindo vozes de diversas regiões do mundo, como América Latina, África e Ásia.
Em suma, o Papa é amplamente reconhecido pelos representantes de Estados e organizações internacionais como uma figura conciliatória, cuja autoridade moral o posiciona como símbolo de paz e diálogo. Mesmo fora das estruturas tradicionais do poder político, sua presença é frequentemente acionada em momentos de crise, tensionamentos diplomáticos ou conflitos humanitários, justamente por representar valores universais como a dignidade humana, a solidariedade e a convivência pacífica entre os povos.
Para compreender melhor as perspectivas em torno do novo líder da Igreja Católica, o Papa Leão XIV, ouça o novo episódio do PUCCast, que está disponível no Spotify, Soundcloud e Youtube.
Foto de capa: Copyright ©Vatican Media