Evaristo de Moraes Filho, Roberto da Matta e Lélia Gonzalez são alguns dos intelectuais que integram a galeria de professores do Departamento de Ciências Sociais. Durante a pandemia, setor assume compromisso social com as comunidades do Rio de Janeiro e no combate à Covid-19 por meio do Plano de Ação ao Enfrentamento da Covid-19 nas Favelas
Ampliar o conhecimento sobre a comunidade popular do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, trabalhar ações políticas para uma maior integração social. Segundo o diretor do Departamento de Ciências Sociais, professor Marcelo Burgos, esta é a essência por trás da criação de padre Fernando de Bastos de Ávila, S.J. (1918-2010). Batizado de Instituto de Estudos Políticos e Sociais, em 1954, o departamento construiu, ao longo das décadas, uma história de luta contra a desigualdade, o preconceito e a busca por espaços mais justos e inclusivos.
Burgos ressalta a mobilização em torno da agenda de debates e ações voltadas para as favelas durante a pandemia. Segundo ele, a aproximação da Universidade com outras instituições e organizações populares originou o Plano de Ação de Enfrentamento da Covid nas Favelas, aprovado em forma de lei pela ALERJ e materializado em edital publicado pela Fiocruz. O diretor destaca, ainda, o monitoramento da entrega de equipamentos pela campanha de Inclusão Digital, de modo a amparar alunos da PUC-Rio que possuam eventuais dificuldades na manutenção do curso.
– Entendo a universidade como uma extensão da cidade e como um lugar de encontro, especialmente entre os jovens. O campus da PUC, que tem o privilégio de concentrar no mesmo endereço diferentes disciplinas e laboratórios, é um polo forte de criação, inovação e encontro, e isso não pode ser perdido. Após a pandemia, precisaremos ter atenção para a valorização da Universidade como lugar do encontro e da troca, e continuidade de investimento em equipamentos e em qualificação para a realização de trabalho remoto ou semipresencial ocorrer da melhor forma possível.
Entre outros projetos desenvolvidos, o diretor aponta para projetos de extensão sobre educação e favelas. De acordo com ele, a ideia era levar para a Secretaria da Educação subsídios e dados que pudessem ajudar na relação entre escola pública e uma parte dos estudantes que moram nestes locais. Além disso, Burgos cita o trabalho coordenado pela professora Sônia Jacomini, que buscou construir um mapa de terreiros, e que foi de extrema importância, segundo ele, para minorias religiosas.
Burgos anuncia um projeto, ainda embrionário, que envolve a criação de um novo espaço na PUC-Rio. De acordo com ele, a iniciativa é uma parceria com outros departamentos da Universidade, em especial os de Arquitetura e Urbanismo, Serviço Social e Filosofia. Denominada de UNIR, a pesquisa tem como objetivo a formação de um núcleo de estudos interdepartamental sobre a Rocinha. Ele afirma que, a partir dessas reflexões, ocorrerão novas ações. Para Burgos, estas análises são importantes porque produzem dados para os atores sociais.
– Começamos uma parceria com o Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) Ayrton Senna, que atende estudantes secundaristas da Rocinha, inicialmente com a licenciatura. Pensamos na possibilidade de casar o trabalho de formação de professor, que pressupõe estágio em escola, além de outras dimensões, mas com pesquisa e conhecimento sobre a Rocinha. Por enquanto, estamos trabalhando com o departamento de Filosofia, mas a ideia é ampliar. E, por outro lado, com o UNIR, pretendemos intensificar a relação com a escola.
Realidade brasileira como alvo
A partir de 1956, o Instituto de Estudos Políticos e Sociais começou a publicar livros e, três anos depois, foi fundada a revista Síntese Política, Econômica e Social (SPES). Na autobiografia, A alma de um padre – testemunho de uma vida (2005), padre Fernando Bastos de Ávila revela como o curso de Ciências Sociais foi estruturado e comenta que a sua grande preocupação, naquela época, era estabelecer um olhar para a realidade brasileira. Segundo padre Ávila, a ideia era que a Escola de Sociologia e Política, que foi reconhecida oficialmente em 1960, tivesse uma diretriz um pouco diferente. “Com uma orientação mais aberta e mais voltada para a atualidade brasileira, como um dos meus projetos para desenvolver o estudo das ciências sociais. No Brasil, então, só existia uma Escola de Sociologia, fundada em São Paulo por Roberto Simonsen”.
Padre Ávila afirma que o currículo era inspirado no curso que ele havia feito na Universidade de Louvain, na Bélgica. De acordo com ele, as aulas eram ministradas em uma das casas da vila, exatamente a mesma em que ele morou antes da transferência da comunidade jesuíta para o 5º andar do Edifício Cardeal Leme, em 1955. Atualmente, o Departamento de Ciências Sociais funciona nesta mesma casa. O fundador do curso cita como grandes colaboradores Arthur Hehl Neiva (1909-1967), Evaristo de Moraes Filho (1914-2016), que foi imortal da Academia Brasileira de Letras, e o sociólogo José Arthur Rios (1921-2017).
Formação Teórica e Pesquisa
A graduação faz parte de um projeto que tem como objetivo promover uma formação teórica que estimule, também, habilidades relacionadas à pesquisa. Para Marcelo Burgos, o investimento neste setor é essencial. Ele faz questão de destacar a iniciação científica e os programas de intercâmbio, que, de acordo com o diretor, são importantes porque produzem um efeito multiplicador.
– Quando falo do intercâmbio, penso no efeito multiplicador. Isso vale para a pesquisa também. A Iniciação Científica tem um efeito sinérgico, porque produz uma cultura de pesquisa. O que singulariza um cientista social é ele saber fazer pesquisas e perguntas sobre a realidade, e produzir evidências que permitam que ele vá além do olho nu.
O diretor relembra a participação de grandes nomes das Ciências Sociais na história do departamento, como o antropólogo Roberto DaMatta e a intelectual Lélia Gonzalez (1935-1994). Por outro lado, o departamento tem também tradição de receber pessoas de relevância na área de ciências sociais, como o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que ministrou uma Aula Magna em 2014, e a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, que encerrou a Semana de Ciências Sociais, em 2019.
Já entre os alunos, Burgos destaca a vereadora Marielle Franco (1979-2018) que, para ele, representa a ação afirmativa implementada na Universidade, que transformou a demografia do local. Graduada em 2006, a cientista social fez parte, segundo o diretor, da primeira geração de estudantes de baixa renda, negros e moradores de favelas a transformarem a PUC-Rio.
– Acho que a Marielle acabou encarnando uma geração de estudantes que começa a transformar a Universidade. Nós tivemos e temos tido um tipo de estudante que torna o nosso curso muito mais diversificado, trazendo alunos de outros lugares, com outras trajetórias. Quando a Marielle saiu daqui,ela tinha uma história muito rica. Ela claramente foi transformada pela PUC-Rio, que deu a ela a capacidade de construir a própria voz, uma autoria. É uma evidência do legado que a PUC vem produzindo no Rio de Janeiro.
O Futuro
Uma das prioridades da graduação em Ciências Sociais, de acordo com Burgos, é a licenciatura. Ele afirma que 65% dos alunos de graduação na PUC-Rio recebem o título de bacharel e licenciado. Uma parte dos alunos também caminha pela especialização ou pós-graduação. Os próximos passos, segundo ele, incluem uma relação bem próxima com as escolas, para que os estágios sejam mais ricos e interessantes.
– Buscamos ampliar radicalmente a nossa relação e parceria com outros departamentos da PUC-Rio. Uma iniciativa neste sentido é o UNIR, mas procuramos abrir outras frentes sempre que possível. A Universidade não pode se dar ao luxo de desperdiçar a capacidade que ela tem de enfrentar problemas da nossa sociedade que pressupõe uma abordagem transversal.
Marcelo Burgos
O diretor também observa que o futuro deve incluir uma política de comunicação mais forte e estruturada, em especial com o público alvo mais jovem. Além disso, a captação cada vez maior de recursos para a realização de projetos de pesquisa, bem como o aumento de cursos a distância e o uso de ferramentas digitais para os chamados “cursos híbridos”.
– Estamos vivendo um momento especialmente delicado e também interessante, que nos desafia. Procuramos exercer um equilíbrio entre um departamento profundamente comprometido com a nossa sociedade e, ao mesmo tempo, em defesa das instituições, com a liberdade. Somos forjados pela Constituição de 1988. Temos procurado trabalhar com o conceito de responsividade, que é a ideia de ouvir o que está vindo e, ao mesmo tempo, sem perder o pé na integridade institucional. É o compromisso com a liberdade de pensar.