Curso de economia forma profissionais com capacidade de interação com o mercado, com o setor público e com o Estado. Em mais de 50 anos de existência, o departamento registra ex-alunos e professores que atuaram em diferentes momentos do governo brasileiro
O Departamento de Economia se destaca pelo envolvimento direto com a política econômica brasileira após a redemocratização. Desde a criação do mestrado, em 1978, a economia da PUC-Rio se tornou um dos centros de pesquisa de maior renome da América Latina e desempenhou papel central na elaboração do Plano Real, que estabilizou o cenário econômico no país depois de 30 anos de hiperinflação.
O Decano do Centro de Ciências Sociais e professor do Departamento de Economia, Luiz Roberto Cunha, explica que os economistas da Universidade se dedicaram durante anos a tentar resolver um dos principais problemas do país no período: a hiperinflação. Cunha enfatiza que a inflação brasileira apresentava características únicas, e que as ideias discutidas internacionalmente para atuar em processos como este não se aplicavam diretamente ao Brasil.
– O professor Chico Lopes foi um dos formuladores, com uma linha de pensamento, para enfrentar o problema da hiperinflação no Brasil. Depois, os professores André Lara Resende e Pérsio Arida. Aí veio o Plano Cruzado, que foi desenvolvido, em grande parte, pelo Departamento de Economia da PUC.
Cunha conta que a proposta do Plano Cruzado, em 1986, era do choque heterodoxo, de cortar a inércia inflacionária – processo em que inflação do mês estava vinculada a do mês anterior – por meio de uma intervenção, com congelamento de preços. Mas, assinala o decano, embora o plano tenha resolvido o problema a curto prazo, a inflação se manteve baixa por pouco tempo.
– Havia uma outra ideia, do André Lara Resende e do Pérsio Arida, chamada Plano Larida, de usar a própria inflação para fazer uma transição usando o processo da indexação. Na época do Plano Cruzado, o presidente Sarney achou que esta ideia era muito complicada e não oferecia uma garantia de resultado imediato. O Sarney queria uma solução rápida, e o resultado do choque heterodoxo era este, a inflação caiu rapidamente. O Plano Cruzado, embora tenha fracassado mais pelo lado político que econômico, é um marco da história econômica brasileira. Depois houve os planos Bresser, Verão, Collor I, Collor II para chegar ao Plano Real. No Plano Real, professores que atuavam como pesquisadores do Departamento de Economia, como Gustavo Franco, Winston Fritsch e Edmar Bacha, desempenharam papel importante.
Cunha, que atuou na área de congelamento e controle de preços do Plano Cruzado, lembra que a ideia de usar a própria indexação para fazer a transição econômica ganhou chance no Plano Real, em 1994. De acordo com o decano, os economistas tiraram algumas lições, como a de que políticas apenas ortodoxas ou heterodoxas não funcionam, e que não se consegue reduzir a inflação sem desindexar a economia. Assim, eles puderam aplicá-las no Plano Real.
– Indexando integralmente todos os preços da economia, os salários eram corrigidos. Numa inflação de 80% ao mês, faz uma diferença enorme receber no 25º dia do mês ou no quinto do mês seguinte. A ideia de usar a própria inflação e a inércia da Unidade Real de Valor, desenvolvida dentro do plano do Pérsio Arida e do Lara Resende, fazia com que o valor que você tinha que receber fosse corrigido diariamente, independente do dia do mês que recebesse. Isto tudo permitiu uma transição que foi de bastante sucesso, a inflação voltou a uma condição normal. Às vezes, ela está mais alta ou mais baixa, mas não era aquele processo antigo que ela só subia, aí vinha o plano de estabilização, e a inflação desabava. Era um processo maluco.
As pesquisas e contribuições para o cenário econômico brasileiro, iniciadas com o mestrado idealizado por Dionísio Dias Carneiro, Francisco Lopes e o atual diretor do departamento, professor Rogério Werneck, no final dos anos 1970, fizeram com que a economia da PUC-Rio passasse a ser respeitada internacionalmente. Como lembra Cunha, a lista de ex-alunos e professores que atuaram nos últimos governos brasileiros é extensa.
– O departamento tem esta característica de visibilidade na economia por ter sido, talvez, o centro de pesquisa mais importante no Brasil para discutir a principal questão da economia brasileira que era a hiperinflação. Até os últimos governos, de Lula, Dilma e Temer, havia muitos diretores, e até presidente do Branco Central, que eram ex-alunos e ex-professores do Departamento de Economia. Esta visibilidade, sob o ponto de vista da ação, da atuação econômica no Brasil, é muito forte. Por isso continuamos atraindo bons alunos para fazer graduação, mestrado e o doutorado, que cresceu mais nos últimos anos.
Esta mistura de consistência acadêmica com um olhar prático para o mercado leva os alunos a desenvolver alguns projetos para além da sala de aula. Como a Liga de Mercado Financeiro (LMF) da PUC-Rio, que há quatro anos promove atividades como palestras, produção de conteúdo e aulas internas. Diversos profissionais já compartilharam a sua experiência com os estudantes, como a ex-presidente do BNDES Maria Silvia Bastos.
Início
A história da economia na PUC-Rio começa em 1963, quando a escola de Sociologia e Política criou, sob direção do padre Fernando Bastos de Ávila, S.J., a graduação em economia. Na época, como Ávila descreve em sua autobiografia A alma de um padre – testemunho de uma vida, a intenção era conjugar sociologia e política de um lado, e economia do outro. Na visão do jesuíta, enquanto o primeiro grupo queria “soluções radicais, cujos custos ignoram”, os economistas “os custos sociais também ignoram”.
A intenção de Ávila era iniciar um diálogo para a juventude que, segundo ele, poderia, assim, “chegar a uma avaliação mais humana na relação custo-benefício”. Para ajudar na instauração da graduação, o padre contou com ajuda do renomado economista Isaac Kerstenetzky, que anos depois foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Inicialmente, a pós-graduação do departamento foi com mestrado em administração, já que não existia o Departamento de Administração nem tampouco a graduação na área. Mas foi em 1977 que os professores Dionísio Dias Carneiro, Francisco Lopes e Rogério Werneck saíram da Fundação Getúlio Vargas para criar o mestrado em economia da PUC-Rio. De acordo com o decano, que entrou na Universidade em 1966, época da antiga Escola de Sociologia e Política, o mestrado foi um dos primeiros do Brasil e já nasceu com pessoas com consistência acadêmica.
– A vinda de Dionísio, dos professores Chico Lopes e Rogério Werneck, e depois Edmar Bacha, além de uma série de economistas que depois ficaram muito famosos, mudou a estrutura e o perfil do departamento. São dois departamentos, o tradicional, antigo, em que havia poucos professores do quadro principal. Em geral, eram alunos da FGV que davam as aulas. A modernidade, a visibilidade, a atividade de pesquisa, os trabalhos que ficaram famosos, como a inércia inflacionária, vieram na nova fase do departamento. Naquela época, havia um financiamento público forte. Isso facilitou, inclusive, o modelo PUC, que se beneficiou deste período.
No livro Dionísio Dias Carneiro, um humanista cético, biografia da qual Luiz Roberto Cunha é co-autor, Pedro Malan, ex-professor do departamento, relembra a ideia que Dionísio, Francisco Lopes e Rogério Werneck formularam para a pós-graduação: um curso de mestrado que formasse pessoas capazes de participar de debate público, com sólida básica acadêmica, capacidade de trabalho em pesquisa e que evitassem posições fundamentalistas nas interações entre mercado, setor público e Estado.
Cunha explica que o departamento prezava por manter um mestrado de alto nível e mandar alunos para universidades do exterior até 1993, quando foi criado o doutorado em economia na PUC-Rio. O decano enfatiza o alto nível dos trabalhos desenvolvidos pelo departamento em várias áreas e o excelente desempenho dos ex-alunos no mercado de trabalho.
– Tínhamos gente importante no governo Sarney, depois no governo Collor, muita gente no Plano Real, no governo Lula, Dilma, e até no governo Temer recentemente. Temos a qualidade da formação, independente do presidente, a possibilidade de ter nossos alunos encontrando emprego com certa facilidade, o mercado sabe da qualidade. Continuamos fazendo pesquisas de alta relevância, inclusive em questões de políticas públicas, aplicamos instrumental de economia, de análise microeconômica.
E não só exclusivamente para o cenário econômico os profissionais do departamento contribuem com a sua expertise. Mais recentemente, durante a pandemia, os professores do departamento Marcelo Medeiros e Eduardo Zilberman ajudaram a criar a COVID-19 Analytics, cujo objetivo é produzir dados que envolvem o impacto causado pelo novo coronavírus no sistema público de saúde.