“Quando a política chega a catarse (…) a manipulação, por conta de um líder carismático que tem sabido interpretar esses anseios da população, temos que nos preocupar, porque já vimos isso antes”
Por Ana Beatriz Aprigio e Isabella Carvalho
O impacto das ações políticas de Trump no mundo e na América Latina foi o destaque dos temas abordados na Aula Inaugural do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. A palestra foi ministrada pela doutora em Ciência Política pela USP, Cristina Soreanu Pecequilo. O tema “Trump, o Brasil e a América Latina: Versão 2.0” levantou questões como o atual cenário político nos EUA e no mundo, a volta de Trump ao poder, o pensamento do colégio eleitoral e o que podemos esperar das novas ações oficiais.

(Foto: Jackson Lima)
“As pessoas votaram no Trump apesar de falas homofóbicas, xenofobia, nacionalismo, misoginia, transfobia. Elas não votaram somente por essas pautas, mas sim pela recuperação da economia.’’, pontua Cristina, após contextualizar o que motivou os eleitores a reelegerem Donald Trump. Para a doutora, o eleitorado se comporta votando pelas motivações “apesar de” e não “por causa de”; é o impacto do que ela chama de “tríade da crise” – a econômica, a social e a internacional -, que, para o eleitor, acaba em primeiro plano, comparado com questões como a perda dos direitos e a valorização do regime democrático.
“Eu acho que, no mundo todo, as forças progressistas não ouvem. Enquanto elas não começarem a ouvir o que o eleitor está falando, que está se preocupando e mostrando que é importante a democracia e essa luta sem abstrações, não vamos conseguir ganhar.” – Cristina Pecequilo.
Segundo Pecequilo, Trump se atentou às agendas apresentadas pelo eleitorado, focando em pontos como inflação, moradia, renda, fronteira e crítica ao intervencionismo global. Tal foco foi um dos pontos cruciais para a reeleição. Além disso, ela pontua que a proximidade com os eleitores como um fator importante, mas também alerta: “Quando a política chega a catarse (…) a manipulação, por conta de um líder carismático que tem sabido interpretar esses anseios da população, temos que nos preocupar, porque já vimos isso antes ”. A doutora cita a semelhança com o que ocorreu no Brasil, quando o Bolsonaro não foi levado a sério com suas falas inconstitucionais e anti-democráticas; assim como Trump não foi levado a sério em 2016, quando cometeu crimes eleitorais como chamar a candidata adversária de “velha, dorminhoca, incompetente, uma mulher que não serve para nada”.
(Foto: Jackson Lima)
A normalização de uma série de questões relativas à perda de direitos e às declarações homofóbicas e misóginas também ocorre no Brasil. Pecequilo destaca a situação crítica do voto dos americanos e como ela não se afasta do cenário em que se encontra o voto do eleitor brasileiro. Apesar de, na eleição de 2022, as forças progressistas ganharem com o governo Lula, tivemos todo o domínio dos governos estaduais e das prefeituras voltados para a direita. O Legislativo, tanto a Câmara quanto o Senado, têm sua maioria sendo conservadora. “Nós estamos perdendo direitos com as vitórias desses grupos conservadores, mas existe uma parcela do eleitorado que considera isso mínimo diante dos outros problemas, que são, como eu falei, a tríade das crises”. Observações como essas jogam luz sobre o que leva a eleição de figuras como Trump e Bolsonaro.
Pecequilo enfatiza a importância de reconhecermos a América Latina como uma região periférica pertencente ao sul geopolítico, com diversas desigualdades entre os seus países e que vive sob a sombra da hegemonia americana, cuja influência afeta tanto a nossa política quanto a economia. Para os Estados Unidos, a América Latina é um território contido e de segurança, em que: “É preciso preservar a estabilidade, e a governança democrática no continente. Leia-se, governos favoráveis aos Estados Unidos e que não façam frente a ele, que não tragam ameaças(…)”.
Por fim, falando de uma ação mais efetiva dos EUA no Brasil, Cristina menciona o papel do governo de Joe Biden na preservação da democracia brasileira em 2022, “Se o governo Biden não tivesse sido um garantidor da estabilidade democrática em 2022 e na posse do Lula em 2023, eu não sei muito bem qual seria o nosso futuro”. A professora destacou a presença do Departamento de Estado e a Agência de Segurança Nacional (National Security Agency) ao longo de 2021 e 2022, e como foram importantes para evidenciar o respeito à ordem democrática, e sinalizar que, caso o governo fosse deposto, não iriam reconhecê-lo como legítimo.