Filosofia foi um dos primeiros cursos das Faculdades Católicas, e funcionava no Colégio Santo Inácio, em Botafogo. Hoje, o departamento tem a preocupação de fomentar o pensamento crítico entre os alunos para que eles possam atuar em um mercado de trabalho cada vez mais diverso

Primeiro curso introduzido na PUC-Rio, há exatos 80 anos, Filosofia reúne no corpo docente profissionais que buscam inovação e abertura para o mundo e para a sociedade. O diretor do Departamento de Filosofia, professor Edgar Lyra, e o professor Luiz Camillo Osório destacam que o departamento é um lugar onde os filósofos lutam por uma geração de seres humanos que não sejam pessoas sujeitas somente às tecnologias e, sim, capazes de pensar.

Lyra relembra que, na década de 1940, a Faculdade de Filosofia superava em número de alunos o curso de Direito, fundado na mesma época. Filosofia reunia sete cursos – Letras, Letras Neo-Latinas, Letras Anglo-Germânicas, Geografia e História, Ciências Sociais, Pedagogia, além de Filosofia. No primeiro ano de funcionamento das Faculdades Católicas, instaladas ao lado do Colégio Santo Inácio, em Botafogo, havia 70 estudantes matriculados na Faculdade de Filosofia.

O mestrado foi implantado em 1973, e, em 1985, o doutorado passou a funcionar. Também na década de 1980, ainda durante a ditadura militar brasileira, professores do curso se afastaram por causa de questões políticas, e o Departamento de Filosofia passou por uma reformulação. Osório diz que, a partir daquele momento, quatro linhas foram importantes: Filosofia Antiga, com desenvolvimento e centralidade na PUC em torno das pesquisas da professora Maura Iglésias; Filosofia da Matemática, com os professores Osvaldo Chateaubriand e Luiz Carlos Pinheiro Dias Pereira; História da Filosofia, com o professor Danilo Marcondes; e Filosofia Contemporânea, com o professor Eduardo Jardim e a professora Kátia Muricy.

– Obviamente as coisas desde 1940 mudaram muito, foram se transformando nessa multiplicidade de cursos e pesquisas que temos hoje. Mas há um detalhe que eu gostaria de reforçar nesta reconstrução da história: a ideia de que todos os cursos são obrigados a ter filosofia, nós atendemos hoje cerca de 1.600 alunos dos vários departamentos da PUC-Rio todo semestre, com as nossas disciplinas Introdução a filosofia (FIL1000), Filosofia da Ciência (FIL 1002) e História do Pensamento (FIL 1006) – assinala Lyra.

Para Osório, a obrigatoriedade das disciplinas representa uma visão do compromisso central da filosofia de discutir pontos fundamentais relacionados a conhecimento, ética, vida em comum, natureza, verdade e justiça. Ele esclarece ainda que não é uma obrigatoriedade disciplinar, mas no sentido humanista, de todas as matérias que compõem a grade curricular terem que se colocar em questão, e a filosofia, em alguma medida, ser o instrumento para o questionamento das atividades.

– O papel da filosofia na Universidade é, enquanto uma casa do conhecimento, de um saber que se pretende, eu não diria universal, mas universalizável, colocado para todo e qualquer um entre nós e entre os saberes, ela tem este papel crucial – observa Osório.

Entre as ocasiões mais marcantes da Filosofia da Universidade nos últimos 80 anos, os professores recordam da década de 1970 quando, em uma parceria com o Departamento de Letras, a PUC-Rio recebeu a visita do filósofo Michel Foucault. O francês lecionou uma aula sobre filosofia de forma jurídica. Foucault veio a convite dos professores Roberto Machado e Affonso Romano de Sant’Anna, que na época eram responsáveis por um minicurso. Após o encontro, o professor Machado retornou à França, onde trabalhou por anos junto ao pensador. Osório aponta que Machado é considerado hoje um dos grandes especialistas em Foucault, com várias obras publicadas.

Capas da revista O que nos faz pensar

Outra conquista para o departamento foi a realização da revista O que nos faz pensar, com o primeiro número em 1989. Segundo o professor Lyra, a revista nasceu da articulação de um grupo de pós-graduação com os professores do curso. Agora, a revista é digitalizada e todas as edições estão disponíveis no site “para o bem da natureza”, como sugere Lyra. De acordo com ele, O que nos faz pensar tem um charme e uma personalidade própria, considerada querida por acadêmicos do Brasil inteiro. Ela se notabilizou por publicar dossiês e reunir pesquisadores renomados que se reconheciam nestas publicações. Osório conta que o título se inspira na filósofa Hannah Arendt e em um de seus trabalhos: A vida do espírito.

O que nos faz pensar é um convite para abrir a filosofia às questões da sociedade. O que está nos fazendo pensar? O que é urgente pensar? O que está nos movendo a pensar? Acho que esta indicação do título cobre um pouco o perfil que a revista se pretende, sabendo-se que é ao mesmo tempo um periódico acadêmico que, portanto, tem que ter rigor, padrão e um nível de especialização muito discutível. Mas, dentro desta dimensão especializada, é como você faz para atravessar o vento do pensamento, que é o que nos move para a filosofia.

Luiz Camillo Osório

As inovações do curso não são exclusivas da revista. Nos últimos anos, o departamento passou a oferecer filosofia no ambiente on-line, curso que registra uma grande procura. Lyra comenta sobre a qualidade do ensino virtual, em que há a necessidade de uma linguagem própria. Lá, há uma diversificação do material, com podcasts, vídeos, um cuidado na mancha do texto e na dosagem das aulas, com perspectiva para o conforto do aluno. Todo semestre o curso on-line oferece 480 vagas. Em 2020.1, foram 478 matriculados, sinal de aceitação dos graduandos. Outra iniciativa recente do departamento é o convênio de doutorado interinstitucional Dinter.

Arte: Diogo Maduell

– O Dinter é um doutorado interuniversitário, um programa de doutoramento que uma universidade faz com outra de menor porte, geralmente de regiões periféricas no Brasil. No nosso caso é com a Universidade do Vale do Acaraú (UVA), no interior do Ceará, quatro professores deles vieram fazer o doutorado conosco. É um programa acadêmico social, no sentido de fortalecer programas de filosofia fora dos grandes centros tradicionais em que o ensino da filosofia já está mais legitimado e já tem mais tempo – conta Osório.

Com relação ao profissional formado pelo departamento, Lyra considera que o estudante conclui o ciclo na instituição em vantagem. O aluno adquire capacidade de ler, interpretar, e apresentar repertório a partir do conteúdo que foi transmitido. Segundo ele, a ideia básica é oferecer ao aluno uma formação diversificada para que ele tenha chance de se colocar bem em um mercado de trabalho cada vez mais difuso. Mas, como sinaliza Osório, o curso preza também por uma educação não engessada na formação do especialista acadêmico de filosofia. O professor aponta a possibilidade de a filosofia ser convidativa para um profissional liberal, que já tenha uma formação e decida complementar com o curso.

– É muito importante o Departamento de Filosofia pensar justamente em ser um lugar de formação continuada, que vá integrar alunos de diferentes reinos de formação, com maturidades distintas, produzindo uma rede que pode ser bastante interessante. A filosofia tem o perfil de ser uma formação complementar importante e que pode ser um diferencial para um aluno que se forma em direito, vai trabalhar em um escritório de advocacia que lida com questões litigiosas. O cara que estudou minimamente retórica vai ter um diferencial.

Luiz Camillo Osório

Para o diretor do departamento, o filósofo é aquele com a disposição para reelaborar, reformular, questionar e não se amedrontar diante de problemas complexos. Osório completa que a filosofia é importante pela capacidade de familiarizar a pessoa a pensar para além do que já está explicado. O professor considera que a filosofia é o lugar do “pensamento destemido”, no qual, com novas situações, há novas explicações a serem criadas. Sobre as próximas gerações de filósofos, os professores analisam a presença da filosofia no Ensino Médio. Lyra aponta que é necessário adaptar a linguagem para se comunicar com os mais jovens.

– É uma grande mentira que o jovem não gosta de filosofia. Ele não gosta se você apresentar uma filosofia de cátedra que não tenha absolutamente nada a ver com a vida dele. Mas devidamente adaptada a uma linguagem, eles adoram, esta é a minha experiência. Privar o jovem, neste momento da história da humanidade, da capacidade de especular, de refletir mais livre deste destemor pensante é um contrassenso completo.